quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Politeísmo Redux

Nota do Editor: O texto a seguir apresenta uma breve síntese de um debate recente que se desenvolveu na comunidade "pagã" anglófona que teve como foco especulações sobre um saber teológico pagão. Entre posições e controvérsias Johb Beckett, ainda que não seja helênico, oferece uma contribuição para esse debate através de uma abordagem bastante similar àquela atualmente usada pelo reconstrucionismo helênico ao entender os deuses como agentes, seres individuais e potências vivas - não como elementos da natureza (ainda que se relacionem com ele), ou macroestruturas abstratas. A maneira de escrever é bastante despojada e em certo sentido, telegráfica; leituras indicadas e demais componentes que integram o debate também podem ser acompanhados com os links em língua inglesa. A todas e todos, uma boa leitura.


POLITEÍSMO REDUX

por John Beckett
tradução de Josie Machado.
Clique aqui para ler o texto em inglês

Eu gastei a tarde de ontem trabalhando em um comentário sobre como o sucesso de minha abordagem "temas não objetivos" significa que eu agora estou definindo objetivos para 2014. Mas antes de conseguir terminá-lo, houve uma onda de comentários sobre teologia politeísta e sinto a necessidade de responder.

A maior parte desta discussão é controversa e tornou-se pessoal. Se você quiser entendê-la, leia esse comentários escrito por Morpheus Ravenna, esse por Rhyd Wildermuth, esse por Alison Lilly, esse por Traci Laird, esse por Anomalous Thracian, e o mais recente comentário de Morpheus Ravenna. Existem outros que não linkei e os que estão a caminho. São leituras instigantes se você dispor de tempo para apreciá-las.

Eu considero todas essas pessoas amigos de uma forma ou de outra. Lamento que as coisas tenham se tornado pessoais, mas é bom termos este debate. O Paganismo ainda é uma religião nova e nós ainda tentamos descobrir nossa teologia... ou melhor, nossas teologias. Melhor trabalharmos esse debate com participação em massa pela internet do que 300 bispos (de 1800 convidados) escondidos em algum lugar, tentando decidir o que irá tornar-se a ortodoxia para os próximos dois milênios.

A seguir, minha opinião sobre o assunto.

Há muitas opiniões sobre a natureza e substância dos Deuses. Qual é a correta? Tudo o que podemos dizer com certeza é "nós não sabemos". E isso significa que a única coisas que é errada - a única coisa que me fará subir em uma mesa e gritar "não, isso não está certo!" - é não deixar espaço para mistério. Por mistério, quero dizer incerteza, não o conhecimento subjetivo que vem através de experiências místicas.... apesar de qualquer religião que não deixe espaço para esse tipo de mistério seja inútil para mim, mesmo que não seja objetivamente errado.

Esta é a primeira regra da teologia: Nós não sabemos. Não existe regra  número dois. Isso não significa que a teologia seja inútil e que todas as respostas sejam igualmente úteis. Significa que praticar teologia requer humildade e abertura... e uma boa dose de curiosidade também ajuda.

O que há de errado subjetivamente (i.e. - Estou convencido de que não é certo mas, ler regra #1 acima) é tentar forçar os Deuses em um modelo naturalista que assume que os Deuses de nossos antepassados não possam existir realmente, distintos, seres individuais. Parece que toda vez que discuto minhas relações com os Deuses - Especialmente quando Eles querem que eu faça algo - alguém me responde com "mas você sabe que tudo isso está dentro da sua cabeça, certo?"  Ou "Deuses são mitos e metáforas." Ou ainda, "Você está tornando humano algo que não é humano!"Essas teorias são todas válidas e eu as respeito, embora não concorde com elas.

O que eu acho preocupante é a noção subjacente de que desde a Ciência (o árbitro da realidade na sociedade ocidental contemporânea) não tem nenhuma explicação para Deuses como realidade, distintos e seres individuais não podem existir, e achar que o que Eles fazem é auto-ilusão. Acho irônico que algumas das mesmas pessoas que criticam duramente politeístas por lidar com os deuses em forma humana comprem a ideia (subconscientemente, se não conscientemente) que a cosmovisão humana atualmente popular é sem dúvida correta: que, se nós, humanos, não termos todas as respostas, pelo menos temos a verdadeira maneira de encontrar todas as respostas. (Eu sou engenheiro. Eu amo ciência. Ela nos trouxe descobertas surpreendentes e melhorou nossos padrões de vida. E também nos trouxe resíduos nucleares, armas químicas e (FRANKING). A ciência é uma ótima ferramenta, uma filosofia ruim e uma religião prejudicial.)

Você cultua Poseidon ou cultua o Mar? Ao longe ouço Poseidon rugindo como Davy Jones em Piratas do Caribe. "EU SOU O MAR!" Talvez. Mas Poseidon tem uma história, várias histórias, uma personalidade. O Mar tem outras. Poseidon ouve orações e aceita ofertas - ou não, como Ele preferir. O mar simplesmente é. Ambos são maravilhosos e poderosos, e eu os admiro. Me parece razoável adorar ambos. Mas por Poseidon ter qualidades humanas (que não é o mesmo que acreditar que "os deuses são como os seres humanos só que maiores") posso me relacionar com ele de forma diferente de como eu posso me relacionar com o mar. A religião baseada em relacionamentos mutuamente benéficos com Divindades com qualidades semelhantes às humanas necessita de um olhar e sentimento diferentes da religião baseada no benefício mutuo entre o mundo Natural. Mas existe claramente um espaço para ambos na Grande Tenda do Paganismo, bem como espaço para ambos no canto do politeísmo.

Parece haver um argumento desnecessário sobre o que constitui um politeísta. Um politeísta é alguém que tem conhecimento de múltiplos Deuses. Eu não vejo necessidade de refinar mais que isso. Se você disser "eu sou um politeísta: Eu adoro a terra, o céu e o mar", então eu não tenho nenhum argumento contra você, mesmo que sua abordagem não seja suficiente para mim.

Alison Lilly reclama que algumas pessoas acusam de ateísmo por ter tal abordagem. Eu acho que sua queixa é válida. Há um precedente histórico para este ponto de vista - alguns acusaram os primeiros cristãos de ateísmo, pois eles negaram a realidade dos deuses greco-romanos. Mas essa visão era e continua errada. Ateísmo é a negação de todos os deuses, não a negação de seus deuses.

Chega com as nuances e incertezas do politeísmo. Aqui está o que eu acredito. Eu acredito que os deuses são reais, distintos, seres individuais pois é assim que eu tive experiências com Eles. Minha experiência com Isis é diferente da minha experiência com Cernunnos e diferente da experiência com Morrigan e assim vai. E todas elas foram diferentes das minhas experiências de meus próprios pensamentos e sentimentos.

Quanto mais eu conheço os Deuses como indivíduos - mais eu oro, adoro, medito, faço ofertas e principalmente mais ouço-Os - mais sua realidade é evidente para mim e mais significante se torna minha vida. O conhecimento subjetivo que ganho supera em muito minha falta de conhecimento objetivo.

E aqueles que têm uma visão psicológica dos Deuses, ou uma visão metafórica, o uma visão naturalista? Eu sou um Universalista Unitário, bem como um pagão e um druida - Eu vou julgar suas crenças baseadas em quão bem eles te motivam a viver uma vida significativa, compassiva e útil, não sobre a forma como eles combinam com as minhas crenças. Mas o fatos de suas crenças serem úteis para você não significa que eu acho seus argumentos persuasivos. A ideia que eu tenho visto sendo enfatizada em todos os comentários recentes é que os Deuses têm agências. Eles têm os seus próprios pensamentos, próprias ideias, sua própria vontade e talvez mais importante, os seus próprios interesses e áreas de responsabilidade. Isto é importante. A ideia de que os deuses estão aqui "por nós" - seja como terapeutas ou treinadores ou pais alados divinos - é decididamente inútil. Sim, Deuses as vezes chamam um humano em seu serviço - eu experimentei tal chamada. Mas o meu sacerdócio não é sobre mim, e sim sobre eles. Trata-se de transmitir suas mensagens e fazer o seu trabalho.

Honrar os Deuses como seres reais, distintos e individuais me lembra que, em última análise, a vida não é tudo sobre mim. Existe algo maior, mais forte e mais sábio, e minha vida é melhor quando ligada à alguma coisa - ligada à Eles. Embora eu seja responsável pela minha própria vida, faço um trabalho melhor e sirvo à um bem maior, quando trabalho com Eles.

Eu tenho que saber se talvez essa enxurrada de comentários politeológicos não seja simplesmente casos pagãos centrados em divindade ou centrados na natureza mal-entendidos entre si. Minha esperança é que a troca tenha informado e esclarecido tudo, e que nossa compreensão dos Deuses e do outro tenham crescido. Agora, se vocês me dão licença, é hora da orações da noite.

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