segunda-feira, 8 de julho de 2013

Agathos Daimon

por Ellani Temperance
Tradução de Natalia Sciammarella
Revisão de Thiago Oliveira [retirado daqui]



No segundo dia do novo mês Helênico, nós oferecemos sacrifício para (o) Agathos Daimon, em um dia em homenagem ao “Bom Espírito”.  É uma prática importante, eu venho a compreender que eu não sei o suficiente sobre Agathos Daimon para fazer Seu culto de forma precisa. Este é o motivo deste post do Projeto Blog Pagão examinar sobre Sua adoração.

A mitologia, a aplicação e a existência do Agathos Daimon (ἀγαθός δαίμων) é uma bagunça um pouco confusa. Quando se pesquisa o termo, seis premissas básicas aparecem:

O Agathos Daimon é um Deus, casado com a Deusa Tyche (Ἀγαθή Τύχη, 'Fortuna)
O Agathos Daimon é um epíteto de Zeus, ou ligado a Zeus Ktesios e/ou Zeus Melichios
O Agathos Daimon está a Hermes Khthonios
O Agathos Daimon é um daimon da fertilidade, amarrado à colheita e prosperidade da agricultura 
O Agathos Daimon é um guardião individual do espírito, unido a pessoa, a família, ou ao oikos
O Agathos Daimon é a personificação da consciência pessoal, o até mesmo suas musas

Ainda confuso? Os Deuses sabem que estou.

Alguns fatos primeiro: Todas as fontes, exceto onde Agathos Daimon é identificado como Deus, representam o Agathos Daimon como uma cobra; isto aplica-se para ambas obras como aparência física assumida.  O Agathos Daimon sempre foi positivo em suas vidas, e geralmente era visto como fonte de boa sorte pessoal ou familiar. Libações de vinho (não misturado) eram oferecidas a ele de cada recém aberta garrafa de vinho, e durante banquetes e reuniões, Agathos Daimon recebia a primeira libação. Ao cruzar com uma cobra na estrada, era também de costume verter uma libação, no caso de ser um precursor do Agathos Daimon, ou o próprio Agathos Daimon. 

Eu sinto que devo recuar do Agathos Daimon um momento e falar sobre daimons em geral. Hesíodo nos deu nosso primeiro vislumbre sobre daimons ao escrever sobre os cincos Idades do Homem em Teogonia. Ele nos deu as seguintes referências:

“Primeiro de tudo os Deuses imortais, que residem no Olimpo, fizeram uma raça dourada de homens mortais que viveram no tempo de Cronos quando ele estava reinando no céu. [...] Mas após a terra ter ocultado essa geração – eles são chamados de espíritos puros habitando na terra, e são gentis, libertando do mal, e guardiões dos homens mortais; para eles vaguear por toda parte sobre a terra, vestidos de névoa e vigiar julgamentos e ações cruéis, doadores de riquezas; eles também receberam esse direito real.” 

“...então eles que moram no Olímpo criaram uma segunda geração de prata e de longe, menos nobre. Não era como a raça de ouro nem em corpo e bem em espírito. [...] No entanto, quando a terra também ocultou essa geração – eles são chamados pelo homem de espíritos abençoados do submundo, e, embora eles sejam de segunda ordem, também presta-se honras à eles.” 

A partir desse post, também a seguir, não nas palavras de Hesíodo, porém minhas:

Nas Idades de Hesíodo, fala-se apenas em uma raça que tornou-se daimons; Aqueles da Idade do Ouro, todavia aqueles da Idade da Prata e Heróica também receberam honras após sua passagem, e foram mantidos com alto respeito. [...] Hesíodo faz uma clara distinção entre os Theoi e daimon: Os Theoi são Deuses, daimons são membros da Idade Dourada que ganharam imortalidade. Essa diferenciação é um pouco menos pronunciada nos escritos de Homero, onde Deus e daimon são usados praticamente como sinônimos. 

Essa diferença levou a uma interpretação errônea sobre a natureza da raça da Idade de Prata: eles se tornaram daimons perigosos aos olhos de escritores posteriores (como Platão), e eventualmente os demônios do Cristianismo. Todavia, nem Homéricos ou Hesíodo nunca pretenderam ser assim: todos os daimons eram puros ou imortais; eles agiam como uma força policial para a humanidade. Daimons peenchem um importante buraco na mitologia e na vida: todos os aspectos da vida podem ser supervisionados por seres imortais, sem abandoná-los  – ou adicionando desnecessariamente – ao portifolio dos Theoi. 

Especialmente dentro dos Neo-Platônicos, veio a colocação dos daimons entre os Theoi e a humanidade. Eles são menos poderos que os Theoi, como menor domínio; mais interessados com os acontecimentos diários da vida do que os Theoi são, mas eles, também, são imortais, e merecem honras.  É importante notar, novamente, o destino feito entre daimons e Heróis; semelhante em termos de poder da vida humana, porém diferente em suas identidades, com os heróis tendo personalidades muito marcantes, realizações e culto, e os daimons não tendo nenhuma daquelas.  A primeira libação em reuniões eram ofericdas ao Agathos Daimon, e a segunda aos Heróis.

Retornando à definição de daimons; temos primeiro um tipo de daimon; bons espíritos de Hesíodo que nos vigiam, imortais, porém uma vez mortal. Em seguida – dentro dos escritores como Platão e seus estudantes e filósofos seguintes – dois tipos, um prestativos, o outro perigoso. Curiosamente, Wikipedia relata o seguinte sobre a divisão entre “bons” e “maus” daimons: 

“Um cacodemon (ou cacodaemon) é um espírito mau ou (no sentido moderno da palavra) um demônio. O oposto de cacodemon é um agathos daimon ou eudaemon, um espírito bom ou anjo. A palavra cacodemon veio para o Latim do Grego antigo κακοδαίμων (kakodaimōn) significando um espírito mau, ao passo que daimon seria um espírito neutro em grego e Tychodaimon seria um espírito bom.”
Grifo meu.
 Aquelas são duas definições opostas como em muitas sentenças, levando uma bagunça confusa que iguala os termos 'agathodaemon' (Agathos Daimon?), 'Eudamonio' e 'Tychodaimon'. Um bom exemplo da utilidade da Wiki como o início da pesquisa, mas nunca seu fim. Então vamos tomar esses termos e cavar um pouco mais fundo. Especialmente o termo 'Tychodaimon' parece ter uma fonte clara, mesmo (ou especialmente) em relação ao Agathos Daimon: em alguns cultos devocionais, Agathos Saimon era o uma deidade masculina, que foi casado com a Theia (daimon?) Agathe Tyche. Sua adoração foi conhecida em Atenas, e Eles tiveram um templo em Lebadeia, na Beócia, onde poderia visitar o oráculo de Trofônio – mas só depois de passar um número fixo de dias em um edifício, que era sagrado para a 'Agathei Theoi' - que provavelmente se refere à Agathe Tyche e Agathos Daimon juntos - e provavelmente abrigado uma ou várias cobras(s). Foi neste edifício que o suplicante foi trazido de volta quando retornou do oráculo — geralmente passado a experiência - a fim de se recuperar (Harrison).

Recapitulando: com os Neo-Platônicos veio a noção de que os daimons de Hesíodo são mais inferiores do que os Theoi na ordem hierarquica, ainda que Agathos Daimon fosse adorado como um Theo em Atenas e Labadeia no tempo de Platão, e certamente na época de seu aluno Xenocrates, quem promoveu a teoria de Platão sobre daímōns. Provavelmente Agathós Daímōn, os Theos, tinha sido separdo dos daímōns sem gênero de Hesíodo anos anteriores, e já não era considerado um daímōn no sentido clássico, mas tinha sido elevado a um Theos, digno de sacrifício regular. As perguntas, então, tornam-se: quando e como?

É Interessante notar que Agathos Daimon é mencionado como recebendo libações de vinho não misturado, em vez do padrão de libações misturadas dos deuses olímpicos. Este aspecto ctônico de Seu culto traz-me duas explicações possíveis da natureza do Agathos Daimon: um link com Zeus Melchuio (“aquele amável”), um epíteto ctônico de Zeus, e um link com Zeus Ktesios, o protetor domiciliar.  Obras de artes encontradas em Labadeia sugere um casamento entre Zeus Meilikhios  e Agathe Tyche, Zeus Meilikhios  – como Agathos Daimon e Zeus Ktesios – é um Deus cobra, frequentemente representado como uma também. 

Deve ser dito que Harrison acredita que Zeus Meilikhios  é um epíteto de Zeus sobreposto a um existente Deus cobra: Meilikhios , um ‘doméstico, da casa, autóctones [deidade de] antes da formulação de Zeus’. Ainda mais dizendo: Ainda mais dizendo: o culto da Meilichios foi muito pronunciado na Beócia, onde ele era venerado como um provedor de riqueza (Harrison, p. 21). Eu coloco que, ao mesmo tempo Zeus tornou-se igualado à Meilikhios , assim o fez o Agathós Daímōn; um daímōn da boa fortuna (provavelmente através da fertilidade e boa colheita, as dois maiores bênçãos do Theoi), sobrepondo ao Deus cobra Meilikhios , trocando qualidades positivas enquanto assumindo a imortalidade para Si mesmo. Zeus Meilikhios  adotou as qualidades de limpeza e purificação de Meilikhios.

Como alternativa - ou, talvez, em segundo lugar - Zeus Ktesios (outro Deus cobra) tornou-se igualado Agathós Daímōn, e trouxe a adoração ao Agathos Daimon para o lar, adicionando Suas bênçãos de fertilidade e 'boa sorte' (agora é um termo geral) para o início do novo mês. Isso também explicaria por que Agathós Daímōn era honrado no próprio dia e não na Noumenia, juntamente com Zeus Ktesios; os dois são entidades separadas, que fornecem bênçãos muito distintas - Zeus Ktesios guarda a dispensa de comudida e contribui para a prosperidade da casa, enquanto que o Agathos Daimon fornece as bênçãos de fertilidade e boa sorte, um traço herdado de Meilikhios  e sua esposa, Agathe Tyche, quem nunca fez isso no domínio doméstico.

Então, isso envolve três das teorias conectadas ao Agathos Daimon. Harrison propõe um link como outra deidade conhecida: Hermes Khthonios. Gostaria de encorajar o leitor a ir à fonte para sua explicação, a partir de página 294, mas a evidência - para mim - é frágil, na melhor das hipóteses. Sim, há referência a 'daimon' em escrita antiga, mas como já vimos em Homero, isso não é prova firme da teoria. Além disso, apesar de Hermes ser muitas vezes representado com cobras, não é obrigatório para Hermes Khthonios ser retratado com eles, e não há nenhuma evidência artística de uma forma de serpente para Hermes, não importa o epíteto.

O Agathos Daimon sendo um guardião espiritual pessoal ou a personificação de uma consciência - ou mesmo sua musa - essa idéia parece ser uma evolução neo-platônica dos daimos clássicos de Hesíodo, popularizado por Sócrates (e seus seguidores), que descreveu seu daimon pessoal em seu julgamento. Da apologia de Platão:

"Você tem freqüentemente me ouviu falar de um oráculo ou sinal que vem a mim e é a divindade que Meletus ridiculariza na acusação. Este sinal eu tenho desde que eu era uma criança. O sinal é uma voz que vem a mim e sempre me proíbe de fazer algo que eu vou fazer, mas nunca me ordena a fazer algo, e isso é o que fica no caminho de ser um político".

Como já vimos, Agathos Daimon foi separado de seus primos de Hesíodo até então, e temos de assumir que o termo 'Agathos Daimon' é um termo incorreto para os orientadores espirituais de Sócrates e Platão. Talvez 'eudaemon', na verdade, seria um termo melhor - não um sinônimo como Wikipédia sustenta, mas indicando claramente entidades separadas com uma origem comum.

Até que outra evidência venha a mim, irei cultuar um theos da fertilidade e da prosperidade, Agathos Daimon, no segundo dia do novo mês - a primeira vez no domingo. Como minha teoria-- porque é definitivamente uma teoria!- realiza-se em seus pontos de vista e dentro de sua prática? Estou ansiosa para seus pensamentos.

Notas:
Crédito da imagem: uma moeda de Nyrva, retratando o Agathos Daimon. Publicado em Harisson ' Epilegomena para o estudo da religião grega: e Themis: um estudo de origens sociais da religião grega '.

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