segunda-feira, 8 de julho de 2013

Não somos todos a mesma coisa, e isso é ótimo!

por Tess Dawson
Tradução de Josie Machado [retirado daqui]


Nota do revisor: O texto a seguir não trata especificamente sobre o Hellenismos; todavia, o escopo do trabalho desenvolvido aqui é maior que o Hellenismos em si, e coaduna com uma preocupação de também esclarecer sobre a diversidade religiosa, e em especial sobre o reconstrucionismo. No texto a  seguir, Tess Dawson, um adepto do paganismo cananeu reconstruída oferece uma leitura acessível e esclarecedora sobre as multiplicidades que o termo "paganismo" composta, e resumo sua proposta na sentença: não somos a mesma coisa, e que bom que não somos.

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Esses argumentos recentes de arquétipos ou super-heróis como divindades é um fator pelo qual eu não me considero mais Pagã e já não tenho me considerado por vários anos. O debate é sintoma de uma divergência maior nas crenças fundamentais entre as religiões politeístas histórico-enraizadas e o Paganismo Neo-romântico convencional.


As duas principais filosofias não podem ser resolvidas, e quanto menos tempo gastarmos tentando convencer uns aos outros qual lado é o correto, mais tempo teremos para gastar construtivamente e pacificamente em esforços inter-religiosos. Eu uso o termo inter-religioso com boas intenções. Não somos das mesmas religiões, nem ao menos das mesmas categorias de religiões. E isso é bom. Respeitar nossas diferenças é importante, pois esse respeito não vem de tentativas de transformar as diferenças em semelhanças. Respeitar diferenças não significa homogeneização da diversidade.

E vamos encarar isso. Existem algumas pessoas antiquadas reforçando diferenças entre Paganismo neo-romântico convencional e religiões politeístas histórico-enraizadas.

Pagãos neo-românticos que acreditam que o ‘eu’ é o núcleo da espiritualidade e que confiam nas idéias de Jung, Freud, Frazer e Campbell frequentemente se sentem perturbados quando alguém diz que eles estão errados – especialmente quando acreditam que um indivíduo não pode estar errado quanto sua espiritualidade. É como se eles acreditassem que a outra pessoa seja tão fechada no dogma que ele/ela simplesmente não entende o que é a verdadeira espiritualidade. Da mesma forma que uma pessoa que adere a uma religião politeísta histórico-enraizada (não uma espiritualidade, mas uma religião) geralmente vai acreditar que os adoradores de arquétipos ou super-heróis de histórias em quadrinhos são blasfêmias. Existe um pequeno meio termo para discussão sobre a vitimização/anti-dogma contra a situação sacrilégio, e essa situação é exarcerbada pela ideia que somos, de algum modo, todos partes de uma mesma categoria de religião chamada Paganismo.

Enquanto tentarmos nos aderir na mesma categoria continuaremos a ter argumentos como esses, porque nós vemos a religião apenas por duas premissas básicas. Da posição de separação, é mais fácil de ser respeitoso com as outras crenças, e as pessoas se sentem menos como nós tentando definir as crenças uns dos outros. Podemos dizer no final do dia, “Eu não concordo com você, mas eu aprecio você”!

Se fizermos as pazes com essa separação, então não haverá argumentos e nem a necessidade deles. Esse argumento se parece muito com Cristãos e Hindus tentando convencer uns aos outros quem é mais correto. Sim, o Paganismo convencional como é agora, com as tendências neo-românticas e as fortes influências ecléticas Wiccanas, é tão diferente das religiões politeístas histórico-enraizadas como o Cristianismo é do Hinduísmo.

Quão diferente a diferença pode ser? Veja essa lista de uma visão global das diferenças entre Natib Qadish (uma religião politeísta histórico-enraizada) e o Paganismo neo-romântico convencional:

• Natib Qadish não é “terra-centrada”. Estamos primeiramente centrados nas divindades, em seguida, centrados na comunidade, e em terceiro lugar respeitamos a natureza. Somos urbanos, civilizados e ‘amigos da tecnologia’. Nós não adoramos a terra ou a “mãe-terra”.
• Divindades são seres vivos individuais separados, dignos do meu mais profundo respeito. Eu me inclino para honrar minhas divindades.
• Nossa religião não é monoteísta ou dualista, é politeísta. As divindades não são facetas de uma força divina, nem representações masculinas/ femininas da dualidade cósmica. E com certeza eles não são arquétipos. Nós também não acreditamos que essas divindades sejam construções da mente humana.
• O Shanatu Qadishtu, nosso calendário sagrado tem feriados diferentes e o ciclo sazonal Mediterrâneo. Isso significa que não comemoramos Samhain, Yule, Imbolc, Ostara, Beltane, Litha, Lughnasadh, ou Mabon. O ciclo sazonal Cananita tem o calor, a estação das secas e a estação das chuvas com uma pequena transição entre as duas, e dois ciclos de crescimento para grãos e frutas.
• Minha religião não é Indo-Européia, mas Afro-Asiática. Não nos baseamos na religião do norte europeu, nem se a forma antiga de nossa religião influenciou o Judaísmo e o Cristianismo, que por sua vez influenciou fortemente o Norte Europeu.
• Não praticamos bruxaria e evitamos a palavra “bruxa”
• Não trabalhamos com “energia”. Trabalhamos com o napshu, um conceito da alma.
• Em geral, não lançamos círculos, usamos sálvia, ou vemos o corpo no sistema de chakra indiano. Usamos mirra para limpeza e temos espaços sagrados. Quanto à sabedoria do corpo, o coração representa a mente, o fígado representa as emoções, os joelhos representam bênção, as mãos representam proteção ou benção, os olhos podem enviar tanto bênçãos quanto maldições, e a cabeça representa honra.
• Não praticamos a Lei dos Três ou Nenhum adágio do mal, mas temos um conceito de “pecado”.
• Fazemos ofertas a nossas divindades. Geralmente essas ofertas incluem carne, mas não de porco.
• Podemos contar com os dispositivos de adivinhação de acordo com o simbolismo Cananeu: interpretando de sonhos (sem conceitos junguianos), lançando sortes, usando as letras Fenícias e vidência. Você não iria a um babalawo [1] para uma leitura de tarô, então, por favor, não espere isso de mim.
• Nossa linguagem religiosa e nossos símbolos religiosos são diferentes porque foram construídos sobre uma cultura diferente.
• Eu cubro minha cabeça em respeito às divindades o tempo inteiro. A maioria de nós, cobre pelo menos durante os eventos sagrados.
• Meu altar é em um templo e eu faço uso apenas para ofertar às divindades, não como um lugar para tchotchkes [2] brilhantes e reflexão pessoal. Eu tenho um santuário menos formal que não tem as mesmas restrições – e sim, eu tenho tchotchkes em meu santuário. Esse pássaro no alto à esquerda? É o meu próprio tchotchke. Um santuário não é o mesmo que um altar, e um altar não é o mesmo que um santuário. A maioria de nós possui santuários.
• Os Cananeus antigos são seletivamente ecléticos, às vezes honrando divindades diferentes de culturas vizinhas do mesmo estilo Cananeu. Mesmo assim, somos cuidadosos com o que fazemos em um ambiente religioso.

Outras religiões politeístas histórico-enraizadas terão seus próprios conjuntos de diferenças da minha, e do paganismo neo-romântico convencional.

Wicca é bom, Neo-romantismo é bom, Paganismo é bom. Ter uma espiritualidade, independente da religião, é bom. Para as pessoas que querem acreditar em arquétipos como divindades, se isso é o que vocês realmente acreditam, tudo bem, mesmo que eu considere isto ateísmo. Como de costume eu respeito diferentes crenças, mesmo que eu discorde; mesmo que eu ache que você está errado, e mesmo se você ache que eu esteja errada. Mas tenho meus limites. Se outra pessoa acredita que meus limites são frágeis enquanto outra acredita que eles são fortes, não me importa, eu os tenho de qualquer maneira. Uma vez ouvi um adágio “não deixe sua mente tão aberta que seu cérebro cairá,” e eu levo a sério.

Para aqueles que querem adorar personagens de histórias em quadrinhos, vão em frente se vocês acreditam, mas, por favor, não esperem que eu leve sua espiritualidade a sério, e, por favor, não esperem que eu pertença à mesma categoria religiosa “Umbrella” que aceita isso. Para registro, eu também tenho duvidas sobre a “otherkin.,” [3] e não acredito em um passado matriarcal. Cthulhu [4] não existe. Aliens não construíram as pirâmides ou Stonehenge. Todo mundo tem limites, mesmo em matéria de crença e religião, e isso não significa que eu te odeio.

Nós não somos todos Um, e isso é bom!

Notas:
1. Nome dado aos sacerdotes exclusivos de Orunmilá-Ifá do Culto de Ifá na religião youruba, das culturas Jeje e Nagô. 
2. Itens diversos.
3. Comunidade de pessoas que se vêem parcial ou totalmente não-humanos.
4. Entidade cósmica fictícia criada pelo escritor de terror H. P. Lovecraft em 1926.

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